por Virginia Mustafa Navarro Lucas
A infância precisa ser compreendida como uma etapa da vida que tem importância em si e não como uma preparação para o futuro. Numa concepção contemporânea, concebe-se a criança como um sujeito heterogêneo e atuante, um ativo construtor social. A criança é um sujeito completo e tem seus direitos garantidos.
A palavra infância diz respeito aos anos iniciais de vida de uma pessoa. Ela traduz a incapacidade, a carência de fala. Tem origem no latim infantia, do verbo fari = falar, onde fan = falante e in constitui a negação do verbo. Portanto, infans refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. A etimologia da palavra infância propõe um sentido negativo, ao caracterizar infância como a idade do não-falante. Principalmente numa concepção contemporânea de infância, num momento em que se discute a necessidade da criança ser protagonista da sua história, sendo verdadeiramente escutada.
Na relação pedagógica, a escuta é considerada uma “metáfora para a abertura e a sensibilidade de ouvir e ser ouvido”; isso envolve mais do que o educador ouvir a criança com os ouvidos, é preciso usar todos os sentidos para conhecer as suas necessidades e interesses. A criança “fala” por meio de múltiplas linguagens, sobre si e o mundo, o que revela, a quem se permite ouvir, a complexidade das crianças, na medida em que elas estão imersas em um universo de descoberta, de espanto, de curiosidade, de fantasia, enfim, de relações e experiências com a vida.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresenta seis direitos de aprendizagens: conviver, brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se. A partir deste direito ao brincar, garantido às crianças pela BNCC, entendemos que cabe aos adultos a responsabilidade de possibilitar brincadeiras e experiências, a fim de promover desenvolvimento e aprendizagem das crianças. No entanto, é preciso atribuir sentido e significado ao brincar, que deve ser incorporado ao cotidiano escolar, não somente por constar como indicação do documento oficial norteador desse segmento, mas sim pela consciência e pelo conhecimento da importância deste brincar.
A criança pensa, age e sente, se realiza e se constrói, movida pelo desejo, pelos sentidos, pelo movimento e pela expressão corporal. As crianças percebem o mundo e o sentem de forma diferenciada do adulto. Elas precisam brincar e fantasiar para compreender o mundo, ou seja, experimentar, através do simbólico, o mundo real e suas relações contraditórias
A Educação Infantil deve criar condições para que a interação entre a criança e a realidade ocorra de forma eficaz, prazerosa e lúdica. A brincadeira é uma das linguagens que mais aproxima a criança do mundo, sendo uma importante forma de comunicação. Brincando, a criança conhece o mundo, aprende, desenvolve competências e habilidades para vida. Brincando, a criança percebe seus limites e possibilidades, desenvolve expressividade, autonomia, a capacidade de tomar decisões, de resolver problemas.
A brincadeira favorece ainda a compreensão e a importância das regras sociais. Para tanto, é preciso que a criança seja vista de forma plena, pois ela vai aprender com o corpo inteiro e não apenas com a mente
Será que as crianças precisam crescer para ser? Ou a criança é um ser sendo?
Cada país, cada estado, cada cidade deve garantir os direitos básicos de todas as crianças, “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”. No Brasil, há ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece as normativas para o Estado e para a sociedade na garantia dos direitos das crianças e adolescentes.
Infelizmente, segundo as instituições de apoio à infância, quando a pessoa é criança não significa necessariamente que ela vive sua infância. Com as violações aos direitos e com os índices de vulnerabilidade social e individual das famílias, muitas vezes, a criança é privada de sua infância e da fase em que deveria ter acesso a recursos e serviços que garantam seu pleno desenvolvimento.
É possível dar vez e voz para a criança, criando tempos e espaços na família, na escola, na comunidade, promovendo autonomia, de preferência em contato com a natureza e redução de estímulos artificiais. O desafio é, nos cotidianos acelerados em que vivemos, criar pausas para que as crianças vivam suas infâncias e os adultos possam fazer essas escutas.
Um provérbio africano diz “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. A criança aprende com o mundo que a rodeia. A grande aldeia que é a sociedade contemporânea deve proteger e educar suas crianças, em especial no período da primeira infância, quando as conexões são ainda mais importantes.
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